Falando de surf
Por Alice Vieira
Aqui há dias, numa revista que costuma estar no bar da praia do sul, aqui na Ericeira, falava-se de surf — e de como, numa terra do Gana, a prática deste desporto tem ajudado a melhorar a vida, muito difícil, de muitos jovens, sobretudo a vida das raparigas. Os pais, muito rígidos na educação das filhas (para tentarem evitar um mal que afligia muito as famílias, que era a gravidez precoce) castigavam-nas se descobriam vestígios de areia nos seus pés. As meninas deviam ficar em casa a ajudar em tudo o que era preciso.
Mas, de repente, a instalação de um clube de surf veio mudar tudo.
E até se descobriu um texto de um soldado escocês, em 1834, que já falava de “meninos nadando no mar em pranchas sob a barriga”.
As raparigas encontravam um novo desporto para praticarem, o que lhes iria modificar a vida toda.
Tudo bem.
Mas o que talvez a maioria não saiba é que a Ericeira é a primeira reserva de surf na Europa — e a segunda no mundo. Andamos pela vila e há escolas de surf porta sim, porta sim, e miúdos de todas as nacionalidades a aprenderem. Claro que os miúdos não vêm sozinhos—o que significa que a vida na terra lucrou (e continua a lucrar) muito com isso: hotéis cheios, restaurantes cheios, muitas lojas de artigos relacionados com desporto, muito alojamento local, etc.
O surf foi uma bênção que caiu nesta terra.
E é lindo, logo de manhã, chegar à varanda da minha casa – que tem vista para o mar — e ver as águas, até bem longe, todas cheias de surfistas.
Eu estou todas as manhãs, quer chova, quer faça sol, na esplanada da praia do sul – os meus amigos chamam-lhe o meu poiso, (o presidente da Câmara de Mafra, meu amigo também, chama-lhe o meu escritório…) e é muito bom ver filas e filas de miúdos, agarrados às suas pranchas, a descerem logo muito cedo até ao areal, com os seus professores. Alguns já me conhecem e vêm falar-me antes de começarem a aula, o que também é muito bom…
E aí está como um desporto, aparentemente banal, consegue mudar uma terra.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira